Lá na escola, todo mundo já sabia, aquele menino tinha um jeito diferente de caminhar. Às vezes pisava forte e pesado como um elefante, às vezes saltitava leve na ponta dos pés. Por aqui e ali, o menino ia sendo e espalhava um pouco de si.
A meninada já sabia que ele estaria fora do jogo, mas o menino ficava sempre por perto, só para lembrar que não.
– Não, eu não vou jogar hoje não, tô fora!
No fora, ele brincava de doutor e avião. E era tudo verdade, no fora da sua imaginação!
– Vamos lá, pessoal, só um pouquinho!
Os amigos sempre iam, mas no fundo, tinham medo. Por isso deixavam sempre um pé do lado de dentro.
– Que maravilha! Que imensidão!
– Eu não disse? Cabe mais do lado de fora do que do lado de dentro! É no fora que o real tem lugar, porque nele as coisas ainda não são!
Parece papo de doido. E por que não?
A descoberta mais recente que fizeram é que a fronteira entre o real e o simbólico não é linha reta, é franja.
Este conto é totalmente inspirado numa experiência real e em uma pesquisa realizada por mim, com orientação do André Bocchetti, no ano de 2021. No final do ano passado (2024), parte desta pesquisa se tornou um artigo publicado na Revista EntreLetras.
Publicar é uma forma de socializar o conhecimento. Mesmo assim, sinto que os artigos científicos – geralmente recortes de pesquisas maiores – ainda não são sucintos ou acessíveis o suficiente para o público em geral. Por isso, decidi escrever de forma simples e brincante sobre aquilo que considero como o essencial da minha pesquisa: a compreensão de “comum” como um ponto de encontro na diferença. No caso do texto, o ponto de encontro entre dois mundos.
Ah! E claro, o menino que tinha um pé no lado do Fora existe.