Meu filho não gosta de falar. Dá para fazer terapia?

O adulto chega ao consultório e conta uma história, o seu porquê. Ele está habituado a isso, e eu também. Por mais difícil que seja falar sobre si mesmo, o adulto que procura uma psicóloga se dispõe a isso. Esta já é uma primeira diferença em relação às crianças. Embora algumas solicitem fazer psicoterapia, a maioria delas ainda chega por decisão dos seus responsáveis ou cuidadores. Então, quando uma criança chega ao meu consultório, eu não espero que ela fale sobre seus problemas. Eu espero que ela brinque. Seja como for, a pessoa que está ali comigo se expressa, e é isso que importa. Se expressar é, de algum modo, mostrar quem você é.

No espaço terapêutico o adulto analisa acontecimentos, reflete sobre seu comportamento, explora possibilidades, avalia suas alternativas na vida… Com a criança não é diferente. A brincadeira é uma forma de explorar cenários, possibilidades, saídas. E este é o nosso ponto de encontro. Quando eu consigo entrar na brincadeira, eu me conecto, estou ali, com ela. Não numa posição distante de quem analisa ou interpreta o seu jeito de ser, mas no lugar de alguém que está partilhando com ela daquele momento e, portanto, entende o que está em jogo naquela brincadeira/situação. É nesse estar junto que a oportunidade de análise acontece.

Neste sentido, não importa tanto o conteúdo da brincadeira ou se refletem os “problemas” da vida real ou não. Importa mais a forma como a criança brinca e como lida, por exemplo, com os problemas que surgem na brincadeira, atividade ou tarefa a que se propõe. Ela ganha repertório a partir das suas brincadeiras. E isto é facilitado por um ambiente onde ela pode se mostrar com muito pouca intervenção. Afinal, o espaço terapêutico não é um espaço educativo, de orientação ou direcionamento, é um espaço para ser quem é, com companhia. Uma companhia atenta, que vê e sublinha o que se mostra. Uma companhia que também ajuda a encontrar outras possibilidades de lida com as situações que aparecem.

Mas a psicoterapia não é só um achadouro de alternativas, é também, e principalmente, um espaço de transformação. A cada sessão, na medida que o analisando vai se apropriando de quem é – pela repetição das suas narrativas ou das suas brincadeiras – ele se transforma. Não sai dos encontros, necessariamente, com uma lição objetiva a ser posta em prática, mas sai modificado. Às vezes mais seguro, outras, com suas certezas abaladas. Seja como for, cada pequena transformação corrobora para que mudanças mais significativas aconteçam em sua vida.

 

 

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Rianne Zabaleta

Psicóloga, estudiosa da vida, observadora do tempo, interessada pela singularidade de cada trajetória humana.

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