Letramento emocional

“Certa vez, despertei a ira de meu pai, que brigou comigo de forma severa.

Num intervalo de tempo que já não sei precisar, ele comprou-me um bicho de pelúcia e colocou sobre minha cama.

Encontrei o presente ao chegar da escola e já tinha idade suficiente para entender: ele estava arrependido, mas não sabia dizer.”

Você já deve ter conhecido ou ouvido falar de uma pessoa “durona” que não consegue expressar seus sentimentos verbalmente. Seja amor, admiração ou contentamento, seja raiva, inveja ou arrependimento… Você até percebe, mas a pessoa não comunica. Talvez, essa pessoa seja você… É que falar sobre sentimentos e emoções pode ser algo muito complicado. Talvez você não tenha aprendido a fazê-lo. Talvez esteja aprendendo, aos trancos e barrancos, nas suas relações. Por isso, o letramento emocional é algo tão importante.

Letramento é um conceito que envolve outras habilidades além de saber ler e escrever, faculdades que podemos resumir à alfabetização. Letramento envolve a capacidade de compreender, interpretar e bem utilizar a linguagem em diferentes contextos sociais. As práticas de letramento estão, assim, intimamente relacionadas com as demandas da nossa sociedade, cultura e tempo histórico. Outros tipos de letramento que você provavelmente já ouviu falar são: letramento racial e digital. A educação formal no Brasil, por exemplo, deve, de acordo com a BNCC¹, contemplar práticas de letramento nestas áreas. Mas, e em casa? Como contribuir para o letramento das crianças?

No campo das emoções, espera-se que uma pessoa letrada consiga, mais facilmente, refletir, compreender e expressar suas emoções. As práticas de letramento neste campo envolvem informação e discussão, mas, sobretudo, experimentação. Para isso, um ambiente onde seja permitido sentir, pensar e manifestar (falar, chorar, se isolar) é extremamente importante. E se este ambiente é compartilhado entre uma família, lembre-se que você, adulto, faz parte dela.

O letramento emocional das crianças pode ser facilitado pelos adultos através do exemplo. Mas exemplo, aqui, deve ser entendido menos como postura exemplar e mais como tentativa, exercício. Isto não significa que tudo deva ser permitido, nem às crianças, nem aos adultos, mas que os sentimentos podem ser acolhidos, especialmente quando bem comunicados. Quando compreendemos o que está em jogo no campo das emoções é possível “cortar caminho” em momentos de desentendimento ao clarificar quais são os afetos envolvidos numa situação. Isto pode tornar as famosas “conversas difíceis” menos desgastantes. Muitas vezes, insistimos no plano racional de uma discussão pela dificuldade de reconhecer e nomear o que realmente importa, que é como estamos nos sentindo. Por isso, apesar do letramento emocional ser um processo contínuo, que se aperfeiçoa com o tempo e através das trocas que temos ao longo da vida, ele pode ser estimulado desde a infância.

Pessoas mais conscientes acerca de suas emoções podem, mais facilmente, discernir aquilo que diz respeito a elas mesmas e o que diz respeito ao outro. Esta capacidade, quando bem desenvolvida, ajuda no fortalecimento da confiança que temos em nós mesmos, legitimando quem somos. Além disso, o aprendizado sobre as diferentes tonalidades afetivas, bem como o exercício de reconhecê-las em si mesmo e nos outros, colabora para desenvolvimento de relações mais saudáveis. Embora o letramento emocional não necessariamente mude a forma como estamos nos sentindo, ele pode nos ajudar a gerenciar emoções e manejar situações de conflito.

¹ Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Documento normativo para as redes de ensino e suas instituições públicas e privadas, referência obrigatória para elaboração dos currículos escolares e propostas pedagógicas para a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio no Brasil.

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Rianne Zabaleta

Psicóloga, estudiosa da vida, observadora do tempo, interessada pela singularidade de cada trajetória humana.

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